Parteiras urbanas
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Cada vez mais mulheres trocam a segurança do
hospital pelo aconchego do lar na hora de ter bebê. Não à toa, surge uma nova
leva de parteiras, que são enfermeiras especializadas e atuam em grandes
cidades
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texto: Danae Stephan
fotos: Egberto Nogueira |
No Brasil, país onde são realizadas por ano 1,2 milhão de cesarianas,
40% dos nascimentos - e esse índice chega a 90% em certos hospitais
particulares -, conseguir um parto normal já é uma vitória. Mas para algumas
mulheres isso não basta. Elas querem ter filho fora do hospital, em local
acolhedor, onde o ritmo do seu corpo seja respeitado. E sem procedimentos
médicos como jejum, lavagem intestinal, soro ou episiotomia, corte lateral na
vagina feito em 70% a 80% dos partos normais, embora se recomende não passar
dos 20%, por risco de complicações para a mãe. Interessadas em resgatar o que
parece ser mais natural, essas mulheres preferem dar à luz no aconchego do
lar ou em casas de parto, onde são atendidas por uma parteira. Nada a ver com
aquela figura tradicional, que atua basicamente em regiões inóspitas, com
pouquíssima estrutura, cobrindo o buraco da falta de médicos e hospitais. As
novas parteiras urbanas são enfermeiras especializadas, ou obstetrizes, e
acreditam no que chamam de 'parto humanizado'.
E o que é exatamente isso? 'É a execução de um conjunto de normas
recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que visa melhores
resultados para a mãe e para o bebê', resume o diretor técnico do Hospital
Geral Santa Marcelina do Itaim Paulista, em São Paulo, Marcos Ymayo. Entre as
várias recomendações da OMS estão respeitar o local selecionado pela mãe para
o nascimento do seu bebê, dar liberdade de escolha da posição do parto e não
usar rotineiramente a episiotomia. Para Suely Carvalho, coordenadora da
organização não-governamental Cais do Parto, de Recife, parto humanizado é
aquele que envolve muito pouca ou nenhuma intervenção (anestesia, por
exemplo, nem pensar) e no qual a mulher pode manter o tempo todo o controle
do nascimento.
'Decisões como dar à luz de cócoras ou na água e por quanto tempo
ficar com o bebê no colo após seu nascimento deveriam sempre ser tomadas pela
gestante, não por médicos ou enfermeiras', reforça Ana Cris Duarte, criadora
do site www.amigasdoparto.com.br. Um parto humanizado envolve ainda a
presença do companheiro - ou de alguém da família -, um direito garantido
pelo Ministério da Saúde desde 2004 em todo o território nacional. Em
nascimentos fora do hospital, procura-se respeitar tudo isso.
Em países como Holanda, Japão e Suécia, os partos domiciliares
ultrapassam os 30% do total. Na Itália, esta é uma opção oferecida à futura
mamãe já na primeira consulta do pré-natal. No Brasil, não há sequer números
confiáveis para medir a quantidade de parteiras em atividade. 'O último levantamento
oficial foi feito há 14 anos e não contemplava as regiões Sul e Sudeste', diz
Suely. Na época, foram contadas 60 mil parteiras. Em outras palavras, o
movimento pró-parto humanizado por aqui ainda é incipiente. Mas já dá sinais
de que veio para ficar. Há hoje no país cerca de meia dúzia de casas de parto
- duas em São Paulo, uma no Rio de Janeiro, duas em Minas Gerais e uma no
Ceará. Até a prestigiada Universidade de São Paulo (USP) criou o curso de
obstetriz na unidade da Zona Leste, para formar profissionais preparados
técnica e psicologicamente.
'Foi uma grande sacada da USP. A demanda por esses profissionais só
tende a crescer, em virtude da pressão de mulheres que querem voltar a ser
donas do processo do parto', diz o obstetra Jorge Kuhn, professor da
Universidade Federal de São Paulo, ele próprio um 'parteiro urbano', já que
vai em domicílios paulistanos trazer bebês ao mundo. Verdade: cada vez mais
gestantes lutam para ter um parto normal e fora do hospital. 'As mulheres que
me procuram precisam batalhar pelo que querem, ir atrás de informações por
conta própria', diz Vilma Nishi, parteira em ação na capital paulista.
A produtora
cultural pernambucana Maria Vasconcelos de Oliveira realmente teve de nadar
contra a corrente. Quando engravidou, aos 40 anos, ela foi pressionada
durante os nove meses para marcar cesariana. 'Não sabia nada sobre gravidez,
mas as informações médicas que recebia não batiam com as mensagens do meu
corpo', conta. 'Eu não estava doente e nunca pensei em ter meu bebê em
hospital.' Ao conhecer a Cais do Parto, conseguiu informações suficentes para
ter certeza de que daria à luz em casa. Com a ajuda de Suely, Clara, hoje com
um ano e meio, nasceu com 3 quilos e 52 centímetros, sem complicações ou
sustos.
Enfermeira Obstetra Rosimeire em atendimento domiciliar à gestante Diane Medeiros (dez 2011) |
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