Períneo: o parto não é o
vilão
Apontado como principal causa de disfunções
sexuais e incontinência urinária entre mulheres, o parto é apenas um entre
muitos fatores. A boa notícia é que existem maneiras de preparar o períneo para
diminuir o risco de lesões
Por
Luciana Benatti
Como será o sexo depois do parto? E se a vagina
ficar larga, frouxa? Essa preocupação, muito comum entre as mulheres – e
homens, é claro – nos meses que antecedem a chegada de um filho, tem origem
numa ideia arraigada na cultura brasileira: a de que a passagem do bebê pela
vagina deixará os músculos flácidos, comprometendo a vida sexual da mulher.
Essa associação entre parto normal e danos
permanentes ao períneo – musculatura ao redor da vagina e do ânus – também é
comum entre os médicos, que assim aprendem inclusive nos livros. Um dos manuais
de obstetrícia mais usados nas faculdades afirma que a passagem do bebê
“raramente é possível sem lesar a integridade dos tecidos maternos, com
lacerações e roturas as mais variadas, a condicionarem frouxidão irreversível
do assoalho pélvico”.
Alguns profissionais, no entanto, contestam essa
visão. Especialista em preparo perineal para o parto, a fisioterapeuta Miriam
Zanetti começou a desconfiar dessa afirmação anos atrás, quando tratava
incontinência urinária em mulheres na faixa dos 50 ou 60 anos. “Percebi que
muitas delas tinham feito cesárea. Algumas nunca haviam engravidado”, conta.
Ao pesquisar o assunto, ela descobriu que, além do
parto, existem vários outros fatores que podem causar disfunções no assoalho
pélvico. A começar pela gestação, já que o peso do bebê distende essa
musculatura. E também obesidade, prisão de ventre, tosse crônica e a prática de
atividade física de impacto – corrida, basquete, vôlei. “O parto não é o
vilão”, conclui.
É preciso considerar também a cultura
de intervenção médica no parto que predomina no Brasil. Trocando em miúdos:
muitas vezes o dano não é causado pelo parto em si, mas por procedimentos
médicos realizados sem necessidade. O melhor exemplo disso é a episiotomia,
corte no períneo feito rotineiramente nas maternidades brasileiras sob o
argumento de evitar lesões nessa musculatura. Uma tese há muito derrubada pelas
evidências científicas.
“Na episiotomia são cortados pelos menos três
músculos. E músculo cortado é difícil de reabilitar”, explica Miriam. “Dizem
que basta uma sutura bem feita para deixar tudo bonitinho depois, mas não é
apenas a estética que deve ser preservada e sim a função.” No Brasil, a taxa de
episiotomia chega a 90%. Na Suécia, é de 10%. “Existe um movimento no mundo
inteiro para reduzir essa intervenção no parto normal, mas aqui a maioria dos
profissionais ainda não acredita no que afirmam as evidências científicas”,
lamenta Miriam.
Treino
para o parto
Sustentar os órgãos pélvicos, manter a continência
urinária e fecal e desencadear o reflexo orgásmico na relação sexual são as
três funções da musculatura do períneo. Para preservá-las, é preciso manter
essa região fortalecida a vida inteira, o que a maioria das mulheres consegue
apenas com a prática de exercícios de contração e relaxamento.
Outra propriedade importante desses músculos, o
alongamento, é necessária numa única situação: o parto. E pode ser “treinada”
no final da gravidez. “É um trabalho preventivo. Se o músculo pode alongar,
vamos alongar”, sugere. A questão é: como? Existem duas formas, ambas
igualmente eficazes: a massagem perineal e o uso do aparelho alemão Epi-no.
A massagem consiste em introduzir o dedo na vagina
e deslocá-lo de um lado ao outro, pressionando em todos os sentidos. Como
lubrificante, pode-se usar um óleo de preferência da gestante, como o de coco
ou o de semente de uva, ou KY Gel, que é hipoalergênico. A massagem pode ser
feita por um profissional, pela mulher ou mesmo pelo parceiro.
O Epi-no (o nome vem de “episiotomia, não”) possui
um balão de silicone que deve ser colocado na vagina e insuflado, uma ação que
distende os músculos da região em todos os sentidos. “É o mesmo movimento que
acontece durante o parto: a cabeça fetal pressiona o assoalho pélvico, que
distende para o bebê sair”, explica Miriam.
Epi-no:
modo de usar
O balão deve ser introduzido na vagina, insuflado
até o limite individual de cada mulher e mantido assim por cinco minutos. “No
manual fala-se em vinte minutos, mas não precisa”, aconselha Miriam. Depois é
só tirá-lo devagarinho. E repetir esse treino todos os dias. “Além do
alongamento, a mulher tem a percepção de como é a saída de algo redondo, que
parece a cabeça do bebê. Com isso consegue entender o que fazer durante o
parto, como relaxar a musculatura perineal”, explica. Segundo ela, essa
percepção é a úncia vantagem do aparelho em relação à massagem. “Embora o
Epi-no esteja na moda, os dois têm o mesmo efeito para o alongamento da
musculatura. A diferença é essa sensação, que deixa as gestantes mais seguras para
o parto, pois já sabem como será”.
Cabe
aqui um alerta: o Epi-no deve ser usado preferencialmente após a instrução de
um profissional especialista em assoalho pélvico, acostumado com a avaliação
dessa musculatura. “Tenho visto muita gente utilizando o aparelho
incorretamente, inclusive por tempo muito maior do que o necessário ou numa
profundidade inadequada”, adverte a fisioterapeuta. “Não é um procedimento
totalmente isento de risco. E algumas gestantes já precisaram suspender o uso,
pois sangravam muito. Uma sentia a pressão baixa, com sensação de desmaio”,
explica.
Os depoimentos de mulheres que fizeram algum tipo
de preparo perineal para o parto (leia abaixo) mostram bons resultados. Assim
como revelou a tese de doutorado da fisioterapeuta. “Estudei 230 parturientes
que foram avaliadas com o Epi-no. Depois do parto verifiquei o que havia
acontecido com o períneo delas. Fizemos a análise estatística e concluímos que
aquelas que atingiam 21 cm de perimetria (o perímetro da abertura da vagina,
medido com fita métrica) tinham cinco vezes mais chance de ficar com o períneo
íntegro no parto.”
Desde que começou a trabalhar com preparação
perineal, Miriam tem visto o número de pacientes crescer bastante. “A maioria
das mulheres vem ao consultório porque comprou o Epi-no e quer saber como
usar.” Na consulta, ela avalia a força muscular e ensina a fazer a massagem
perineal e a usar o aparelho. As gestantes que têm o períneo muito rígido
precisam voltar semanalmente. Outras, com períneo flexível, voltam em quatro ou
cinco semanas. Algumas nem precisam voltar. “Não se sabe ainda o que determina
essa capacidade. Às vezes, sem nenhum preparo, o períneo já é excelente.”
É certo que o preparo aumenta as chances de manter
o períneo íntegro, mas não há como garantir de não haverá lesão durante o
parto. “Existem diversas outras variáveis. Às vezes pode ser necessária uma
episiotomia ou alguma outra intervenção. Mas acho interessante ir para o parto
sabendo se você tem mais ou menos chance ficar com o períneo íntegro”, afirma
Miriam, que sugere uma avaliação a todas as mulheres a partir de 32 semanas de
gestação.
Epi-no:
como comprar
Fabricado na Alemanha pela Tecsana, o Epi-no Delphine Plus ainda não é vendido no
Brasil nem nos Estados Unidos, apenas na Europa, Canadá e Austrália. A empresa
mineira Inove já pediu o registro do produto e aguarda apenas
a liberação
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